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O consumismo que afunda a vida espiritual

Na sociedade de consumo da atualidade, o exagero de compras se tornou muito natural, mas a Palavra diz que a falta de controle pode ter consequências na ligação com Deus

Por Sânnie Rocha

Quando um novo ano chega, depois da alegria das festas vem o desespero. As compras do final do ano, que normalmente extrapolam o orçamento, agora precisam ser pagas. Mas a pergunta é: atender aos desejos comerciais, que alegram o momento, não está fazendo muitos cristãos perderem o foco principal de sua vida. Aguardar a volta de Jesus não seria mais importante do que acumular riquezas por aqui?

Jesus disse em Mateus 6:31-33 “Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? Porque todas estas coisas os gentios procuram. Decerto, vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas. Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a Sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas”. Então, qual o motivo para tantos cristãos caírem na rede do consumo para satisfazer um vazio?

Segundo o psicólogo e pastor da Igreja Batista da Morada de Camburi, Erasmo Vieira, consumistas perdem o equilíbrio porque estão tentando suprir uma necessidade de ter que prepondera o ser. Em alguns casos, isso é doença e precisa de tratamento.

“Por conta dessa compulsão, comprar deixa de ser demanda pessoal para ser necessidade afetiva. Com isso, as pessoas compram o que não precisam, com o dinheiro que não têm, para serem vistas pelos outros que nem estão olhando para elas. Quando o meu ser fica deteriorado e a minha autoestima fica baixa, quem julga quem eu sou não sou eu, mas os outros. O que não quer dizer que seja uma pessoa gananciosa, pois é uma espécie de compensação para o desequilíbrio emocional”, explica.

Do ponto de vista espiritual, Vieira explica que as pessoas esquecem que Deus mesmo provém todas as coisas que lhe são necessárias quando se acha o ponto de equilíbrio. “Quando o dinheiro toma lugar de Deus, o que acontece é a inversão de valores espirituais. A pessoa se liga no que é perecível e se esquece do que necessitamos deixar verdadeiramente neste mundo, que é o nosso legado. Isso não quer dizer que Deus não quer que sejamos prósperos, que tenhamos conforto e vivamos bem, o problema é não ter limites”, destaca.

“Em Provérbios 22:7 há uma advertência de que a dívida é uma escravidão. A Bíblia não diz que dívida é pecado, mas nos aconselha a não dever” – Débora e Arnaldo de Souza, líderes do Ministério de Finanças da (IEBV)

Não são poucos os endividados nesta época. Dados do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) do Espírito Santo apontam 517 mil pessoas com o nome no registro de inadimplentes atualmente. No cenário nacional, existem 54,5 milhões de consumidores que terminaram o ano de 2014 com restrição ao crédito, de acordo com o SPC Brasil. E 85% das famílias gastam mais do que ganham, sendo que 55% delas estão endividadas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O pastor Paulo Maximiano, diretor do Ministério Crown da Universidade da Família (UDF), lembra que Deus nos confiou essa vida com um propósito. “Ele pretende que você a use com sabedoria. Deus não condena termos uma qualidade de vida melhor, devemos trabalhar duro, prover para nossa família e entesourar para nossos filhos (2 Coríntios 12.14). Logicamente que entesourar para nossos filhos não está ligado somente às questões materiais, mas também às espirituais, ou seja, nosso legado. Muitas vezes o que falta na vida do cristão é aprender a lidar com a doutrina do contentamento. O fato é: ninguém nasceu com o instinto do contentamento. Como Paulo disse, isso é algo que devemos aprender”, explica.

Pastor Paulo argumenta que os problemas financeiros atrapalham a comunhão, porque o consumista quer sempre ganhar mais dinheiro para suprir a sua necessidade em comprar e priva o tempo com a igreja, com Deus e com a família para manter um “status” não condizente com o seu padrão.

“Todos os nossos atos aqui em vida afetam diretamente nossa eternidade, pois prestaremos contas a Deus de tudo aquilo que fazemos” – Pastor Paulo Maximiano, diretor do Ministério Crown da Universidade da Família

“É impossível dizer que estamos bem com Deus se não estamos cumprindo Sua palavra no que diz respeito aos princípios bíblicos financeiros, portanto o consumismo afeta, sim, nossa vida espiritual. O consumismo hoje em dia já é tratado como uma doença, a oniomania, que é o desejo compulsivo pela compra, mesmo sem ter necessidade. Vemos que isso tem afetado crianças, adolescentes, jovens e adultos e infelizmente muitos cristãos têm sofrido com esse problema. Somente ter conhecimento da Palavra de Deus não basta, precisamos ter a prática diária da Palavra. Todos os nossos atos aqui em vida afetam diretamente nossa eternidade, pois prestaremos contas a Deus de tudo aquilo que fazemos. Todos nós queremos ouvir a doce voz do Senhor dizendo ‘Servo bom e fiel’, mas para isso devemos aprender sobre fidelidade e obediência aqui em vida”, alerta.

Isso, de acordo com Maximiano, não quer dizer que a Bíblia condena o uso do dinheiro, porém nos fala sobre o domínio próprio. “Quando gastamos com sabedoria e pautado na Palavra de Deus podemos desfrutar de paz e tranquilidade em nossa alma; quando fazemos isso sem exercitar os princípios financeiros bíblicos, corremos o risco de comprometer aquilo que Deus coloca em nossas mãos e geramos inúmeras consequências”, explicou.

Mordomia

Líder do Crown no Espírito Santo, Débora Freitas Moura de Souza e o marido, Arnaldo de Souza, palestram sobre o assunto em diversas igrejas do Estado e percebem o quanto os cristãos não têm conhecimento do que a Bíblia orienta sobre as finanças. “A Palavra nos diz que somos mordomos do Senhor, e que um dia Ele vai voltar e nos pedir conta de tudo que nos deu. Exemplo na parábola dos talentos (Mateus 25:14-30). Essa função de mordomia requer fidelidade. Deus é o dono, somos apenas gestores, e a nossa gestão tem que ser 100% fiel. Em 1 Coríntios 4:2, Paulo nos adverte que o que se requer dos despenseiros é que sejam encontrados fiéis. Assim, somos chamados a administrar segundo o que Deus, o dono, requer”, orienta.

Para ela, o consumismo passou a fazer parte da vida das pessoas a ponto de as coisas passarem a ter mais importância que o Criador delas e o que Ele ensina. Há ainda uma estatística da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), que mostra que os cristãos atualmente gastam mais com juros (30%) do que com dízimos e ofertas (10 ou 20%).

“O descontentamento é um sinal de que algo não vai bem. É como uma luz que se acende no painel. A Palavra de Deus nos ensina que não nascemos contentes. Cristo é a nossa fonte de contentamento e nEle temos nosso coração, nossas emoções supridas. Em Provérbios 22:7 há uma advertência de que a dívida é uma escravidão. A Bíblia não diz que dívida é pecado, mas nos aconselha a não dever, a não ser o amor (Romanos 13:08)”, explica.

No livro “Sabedoria Espiritual”, uma obra baseada na sabedoria bíblica para alcançar o controle financeiro, o terapeuta financeiro e cristão Reinaldo Domingos orienta como sair do círculo vicioso do aperto financeiro para mostrar às pessoas algo que não se tem.

“Temos que buscar por nosso eu espiritual, somos servos de Deus, nunca podemos nos esquecer disso” Reinaldo Domingos, autor do livro “Sabedoria Espiritual”, da Editora Thomas Nelson Brasil

“Temos que ter consciência e saber que a única certeza que temos é de que tudo o que adquirimos no mundo material durante nossas vidas ficará aqui, somente levaremos o que de verdade temos em nosso coração. Temos que buscar por nosso eu espiritual, somos servos de Deus, nunca podemos nos esquecer disso. Como educador e terapeuta financeiro, pai de família, alcancei minha independência financeira nos meus 37 anos de idade e, desse momento para frente, resolvi servir as pessoas e as famílias levando o que Deus me concedeu para todos os que passam por minha vida. Hoje, com 53 anos, tenho plena convicção de que não existe nada melhor do que servir, doar o que temos de melhor, que é o conhecimento adquirido”, salienta.

Assim também foi com Patriana Santos Teixeira. Depois de passar por grandes dificuldades financeiras, ela conseguiu restaurar suas finanças e hoje ministra sobre o tema na Igreja Presbiteriana Renovada de Jardim Camburi, onde congrega, exatamente porque sentiu a necessidade de ensinar a outras pessoas que estão passando pelo problema o que Deus pode fazer para resgatar alguém que chegou ao fundo do poço.

“Eu tinha uma vida de consumismo, acreditando que minha família tinha recursos para isso, porque não sabia quanto o meu marido ganhava. Não era fútil, mas achava que o nosso padrão estava dentro daquilo que podíamos. Ele queria me agradar, queria ser o provedor da casa como a Bíblia dizia, mas vivíamos acima do padrão que podíamos viver desde o nosso casamento. Foram 10 anos assim, até que ele contraiu uma dívida de R$ 200 mil em empréstimos, tinha 10 ocorrências no SPC. O salário dele, de R$ 5 mil, ficou resumido a R$ 500,00 por mês. Foi quando ele me contou a verdade, e meu mundo caiu”, recorda-se.

Sabedoria

Foi então usando a Palavra da mulher sábia que edifica o lar que Patriana se uniu ao marido, que não se opôs em tentar resolver o problema, e foi buscar uma maneira para tentar restituir as finanças e também manter o casamento e a família de pé.

“Na época meus filhos tinham apenas 4 e 7 anos, mas sentei com eles e expliquei que eles iriam mudar da escola particular para a pública, que iríamos vender nosso apartamento, além de explicar que não seria mais possível manter cinema, lanches e aulas de natação, mas que nossa família estaria unida para passar por esse momento. Eles entenderam, mas não foi fácil fazer todas as adaptações. Abandonei meu emprego, porque não valia a pena ficar e ter que pagar alguém para cuidar da casa e dos filhos. Virei dona de casa, cortei iogurte, queijo e outros itens do nosso cardápio, mudei o uso de marcas famosas de produtos de limpeza por outras mais baratas. E Deus foi me mostrando que tudo aquilo que eu tinha não era importante, que Ele tinha muito mais a me dar”, ressaltou.

Hoje Patriana ainda mora com a família no mesmo bairro, mas de aluguel. Com o dinheiro da venda do apartamento conseguiu quitar as dívidas em dois anos e passou a controlar cada centavo que gasta através de planilhas, tudo o que aprendeu no curso do de Finanças do Crown que fez junto com o marido. Tudo tem dado tão certo que ela conseguiu comprar um carro zero no ano passado à vista, mas tem orado e economizado para adquirir um apartamento.

Dando palestras na igreja e ministrando em casa com seus alunos nas horas vagas, ela conta que agradece a Deus todos os dias pelo que aconteceu, porque pôde rever sua vida e criar novos conceitos sobre o que é mais importante, valorizando aquilo que Deus lhe deu.

“As pessoas compram o que não precisam, com o dinheiro que não têm, para serem vistas pelos outros que nem estão olhando para elas” – Pastor Erasmo Vieira, psicólogo e líder da Igreja Batista da Morada de Camburi

“Conseguimos recuperar nossa tranquilidade, temos hoje controle do que gastamos, pagando aluguel que não pagávamos e mantendo todas as contas em dia. Meus filhos continuam na escola pública, mas fazem aulas de inglês, natação e violão. Temos uma vida confortável com TV a cabo, internet, de forma controlada. Esse fim de semana fui ao zoológico com os meus filhos, e lá fiquei agradecendo a Deus por aqueles momentos que Ele me proporciona com minha família. Tudo o que aconteceu me fez aprender a valorizar ainda mais esses momentos valiosos”, acrescenta.

Essa tranquilidade que R.A.R.S. deseja alcançar. Ela, que pediu para não ser identificada nesta reportagem, é consumista assumida e diz que tem pedido a Deus para ajudá-la a conter seus impulsos e conseguir colocar sua vida financeira em dia. O marido também não consegue deixar de comprar algumas coisas e quando chega a fatura do cartão de crédito é que se desespera. “Sabemos que tudo isso afeta nossa saúde espiritual e física também. Somos servos de Deus e queremos cumprir o que Ele manda, que é controlar as finanças, mas não tem sido fácil”.

É importante lembrar apenas que consumo é algo que vai sempre existir na vida de qualquer cristão, mas o alerta para que ele não afete a vida de um cristão é o limite entre o que é necessário e o que é desejo próprio. Não que esse desejo não possa ser suprido, mas ele não deve ser maior do que o amor por Jesus e estar dentro do que o orçamento permite. “A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros; pois quem ama o próximo tem cumprido a lei.” (Romanos 13:8).

Acabe com suas dívidas

  • Relacione suas dívidas e tudo o que possui: Muitas vezes você tem um capital ou bem que pode se desfazer para alinhar sua vida financeira.
  • Ore por uma direção: Peça a Deus que o direcione sobre a melhor maneira de resolver as dívidas e não desistir do propósito de resolver o problema. Fazer a leitura de provérbios e marcar aquilo que Salomão fala sobre dinheiro, e ler as parábolas de Jesus, em que Ele também cita informações necessárias para saber lidar com dinheiro.
  • Use um plano ou orçamento: Desenvolva um plano por escrito para assegurar que não exceda o seu orçamento.
  • Estabeleça um plano de pagamento para as dívidas: A maioria dos credores está disposta a trabalhar com pessoas que desejem, honestamente, pagar as suas dívidas, comuniquem-se com regularidade e cumpram suas promessa
  • Não acumule nenhuma dívida nova: Você não quer complicar ainda mais sua vida, então fuja de todas as maneiras de dívidas novas. Além disso, jamais acredite em anúncios que oferecem dinheiro fácil e sem burocracia. Istos pode ser uma armadilha perigosa.
  • Invista em uma renda adicional: Procure alguma habilidade que tenha para fazer outra atividade ou exerça a mesma profissão que você já atua em outro horário para conseguir mais um rendimento.
  • Reduza os gastos: Gaste menos do que ganha, é a dica mais simples e direta. Contente-se com o que você tem e passe a viver apenas com isso.
  • Anote as pequenas despesas: O cafezinho com os amigos, coisas que às vezes não damos valor mas que podem influenciar no orçamento mensal. Um antigo ditado diz: um pequeno furo também afunda um navio. Considere que precisa de uma mudança radical de vida.
  • Sente-se com sua família: Defina os gastos prioritários e onde a tesoura vai agir, pois esse é o momento mais difícil, sempre há discordância. Com paciência, entretanto, todos vão entender que sairão ganhando, garantindo tranquilidade no futuro.

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 209 da Revista Comunhão, de Janeiro de 2015. As pessoas ouvidas e/ou citadas podem não estar mais nas situações, cargos e instituições que ocupavam na época, assim como suas opiniões e os fatos narrados referem-se às circunstâncias e ao contexto de então.

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