Conversamos com quatro educadores financeiros sobre os motivos que fazem com que as pessoas confiem na poupança.
Para que tenhamos uma ideia da dimensão dessa aplicação, segundo o relatório Estatísticas de Varejo de Junho/2022, elaborado pela Anbima e divulgado na última terça-feira, este mercado totalizou R$ 2,89 trilhões em aplicações, sendo R$ 953 bilhões na poupança (33%). Desse valor, R$ 815 bilhões estão no Varejo Tradicional e R$ 138 bilhões no Varejo Alta Renda.
Fechando as aplicações do varejo, os fundos de investimento somaram R$ 685 bilhões (23,7%), e os títulos e valores mobiliários (ações, títulos de renda fixa públicos e privados, e híbridos), R$ 1,25 trilhão (43,3%)
Felipe Ferreira, diretor financeiro da Comdinheiro
As pessoas confiam na poupança porque elas acreditam que entendem a poupança. Esse investimento foi criado por D. Pedro II em 1861, e a regra básica de rendimento é a mesma desde então: 6% de juros mais algum tipo de ajuste de correção monetária que variou ao longo do tempo. Mais recentemente, foi estabelecido o teto de 70% da Selic.
Para começar, essa regra é fácil de ser entendida. Em segundo lugar, ela funciona assim há mais de 150 anos. Com isso, as pessoas ficam muito tranquilas pois sabem que vão receber mais do que foi colocado, o que é um grande conforto para a maioria da população, que é carente de educação financeira.
Para entendermos o porquê de as pessoas confiarem na poupança, nós temos que olhar o contraponto do porquê as pessoas não entenderem e não confiarem nos outros produtos de investimento. Cabe um mea-culpa às próprias instituições financeiras, porque, no ímpeto de otimizar o local, perde-se o global.
Muitas vezes, um vendedor, que sabe que um instrumento vai render menos no próximo período, utiliza um bom rendimento passado para convencer um novo investidor a aplicar nele. Isso vai acontecer, só que depois esse investidor nunca mais vai seguir uma recomendação desse vendedor.
Mesmo para o próprio sistema financeiro, é mais produtivo que se comece a ensinar as pessoas a serem mais responsáveis com o cliente. O mercado possui produtos muito mal falados, como os títulos de capitalização, cujo problema não é o veículo, mas o seu uso irresponsável. Com isso, um investidor com um pequeno montante financeiro acaba voltando para a poupança, que se torna um porto seguro.
Existem outros instrumentos melhores, como títulos públicos pós-fixados e fundos simples que foram criados para dar acesso a esse público, mas eles ficam queimados pela negociação de outros produtos. O medo de perder acaba não compensando a rentabilidade a mais que ele teria fazendo a escolha certa. Essa quebra faz com que a desconfiança nos outros produtos financeiros se perpetue.
Hoje nós estamos num cenário em que a taxa de juros subiu, tornando mais interessantes os investimentos em juros de curto prazo. Contudo, quando nós tínhamos a Selic abaixo de 6%, a poupança estava com 70% da Selic isentos de IR, contra, por exemplo, CDBs oferecidos no mercado com no máximo 100% do CDI e IR regressivo sobre o ganho. No papel, esse resultado existe, mas para um investidor com R$ 10 mil, que se arriscou e, eventualmente, tomou uma pancada, essa dor dói muito mais do que os centavinhos que ele deixa de ganhar colocando na poupança.
Patricia Lages, jornalista, especialista em Finanças e fundadora do canal Dicas de Economia no Youtube, com mais de 723 mil inscritos
Mais do que confiar, o brasileiro tem um certo amor pela caderneta de poupança. Além de ser um investimento bastante tradicional, ela deu oportunidade para que pessoas de menor renda pudessem investir. Quando ela foi criada, só as pessoas que tinham mais condições financeiras tinham acesso a investimentos.
Eu creio que outra coisa que atrai o brasileiro para a poupança, é que ele pode colocar todo o dinheiro em uma única conta. Isso “facilita” a sua administração.
A confiança que as pessoas têm na poupança vem sendo passada de pai para filho. No passado, era muito comum uma criança nascer e já abrirem uma caderneta de poupança no seu nome. A família tinha o número da conta para que todos pudessem depositar. Todas essas facilidades também fazem parte dessa tradição: “a poupança é para todos”, “a poupança é simples” e “a poupança é fácil”.
Contudo, temos que lembrar que todos esses pontos, que são sim positivos, também podem ser encontrados em outros tipos de investimentos que tem uma rentabilidade muito mais atraente e com a garantia do FGC (Fundo Garantidor de Crédito), que também respalda a poupança. Não é só a poupança que é segura, fácil e para todo mundo, mas talvez por ser a mais conhecida e mais divulgada, ela ainda seja a preferida dos brasileiros.
Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira de Profissionais da Educação Financeira (Abefin) e da DSOP Educação Financeira
Sem dúvida alguma, os fundos de investimento, em quase sua totalidade, pagam melhor que a remuneração da caderneta de poupança. Mas por que o brasileiro ainda continua investindo muito mais na poupança do que nos fundos de investimento? A resposta é simples: trata-se de um investimento tradicional muito querido pelo brasileiro, isento de taxa de administração, sem Imposto de Renda, com liquidez e ainda tem a garantia do FGC até R$ 250 mil por CPF. É por isso que a caderneta de poupança continua sendo a campeã dos investimentos para os brasileiros, não podendo ser desprezada.
Isso é louvável, mas precisamos levar, através da educação financeira, um pouquinho mais de conhecimento aos investidores, de forma a que eles possam melhorar o desempenho dos seus investimentos.
Thiago Martello, fundador da Martello Educação Financeira, especialista em investimentos e participante do Shark Tank Brasil
A poupança ainda tem esse volume financeiro astronômico por vários motivos. Ela é prática, simples, e não é preciso ser um gênio da lâmpada para entendê-la. Você aplica, e 30 dias depois seu dinheiro vai render. Ponto.
Normalmente, a conta poupança é vinculada à própria conta-corrente, o que faz com que o dinheiro fique num lugar só e a pessoa não precise decorar outro número de conta. O fácil acesso à poupança é uma das formas de cativar os seus investidores.
Outra coisa: a poupança não tem IR. A pessoa consegue enxergar exatamente quanto ganhou, sem se preocupar sobre quanto é dela, quanto é do governo e como se faz para declarar o rendimento. Muitas pessoas não sabem, mas quem cuida do IR de outras aplicações é o próprio banco, e não elas. Temos também a questão histórica, por mais que as pessoas se lembrem do congelamento durante a presidência Collor.
Contudo, é válido dizer que quem tem dinheiro na poupança está per-den-do dinheiro. Por mais que ela tenha rentabilidade nominal, ou seja, o dinheiro saia de um status e vá para outro, quando comparada a inflação, ela perde todo santo mês, todo santo ano.