Possibilidade de pagar o Pix com o limite do cartão de crédito pode levar o consumidor à inadimplência
Com a popularidade crescente, o Pix vem sendo utilizado pelas instituições financeiras como base para o desenvolvimento de outras soluções de pagamentos. Um desses exemplos é o Pix Parcelado, que permite o parcelamento de compras, e, outro, é um recurso mais recente: o “Pix cartão de crédito”, modalidade em que o cliente faz um Pix e o valor com juros é integrado à sua fatura de cartão para que seja pago posteriormente.
As modalidades são muito semelhantes, por que ambas oferecem o parcelamento. Porém, a principal diferença é que o Pix Parcelado é mais abrangente: o pagamento do débito pode ser feito direto pela conta corrente do usuário ou via QR Codes mensais, por exemplo.
Essa opção, restrita ao limite do cartão de crédito, é oferecida por poucas instituições, por enquanto, mas pode ganhar adesão pela praticidade. “O cartão é um produto popular e as instituições aproveitam disso para trazer uma experiência boa para o usuário e monetizar seus produtos internamente a partir do Pix. Não é um serviço gratuito e o acordo é comercial e bilateral entre cliente e banco”, afirma Marcelo Martins, diretor executivo da ABFintechs e membro do comitê do Pix.
Assim como o Pix Parcelado, essa modalidade não é regulada pelo Banco Central, que tem sua própria agenda evolutiva para o ecossistema Pix, com o lançamento do Pix Automático em outubro deste ano, por exemplo. Inclusive, o BC tem em sua esteira de inovação a previsão de lançar o Pix Garantido, versão de parcelamento oficial – ainda sem data de estreia.
Mas enquanto as novidades reguladas não aparecem, as instituições participantes do Pix têm liberdade para criar novas soluções. “Nada impede que os bancos, desde já, ofertem crédito e a possibilidade de pagamento em parcelas com o Pix aos seus clientes”, afirma o BC em nota enviada ao InfoMoney. Apesar disso, a autoridade monetária ressalta que independentemente do modelo adotado, “a instituição precisa observar as regras de cada um dos produtos e, no âmbito do Pix, seguir todo o arcabouço regulatório vigente, por exemplo, nas regras da jornada do usuário, comprovante da transação, etc”.
Diante disso, o consumidor pode encontrar essa opção em poucas instituições: Nubank, Inter e Itaú. Em nota, o Bradesco afirmou que está desenvolvendo a solução. Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Santander, Banco XP e C6 não possuem o serviço. Mercado Pago e PicPay não quiseram participar da reportagem – mas ambas as instituições oferecem o Pix Parcelado, além de Santander e Bradesco.
Como funciona?
Na prática, a modalidade do Pix atrelada ao cartão de crédito exige um esforço mínimo do usuário. A jornada de uso é bem simples e integrada a do Pix. O usuário vai fazer um Pix, como faria normalmente, mas antes de efetuar a transação e conferir para quem o dinheiro será enviado, o usuário se depara com a opção de enviar com saldo da conta corrente (que é o padrão) ou enviar o dinheiro efetuando o pagamento na fatura do cartão de crédito. Mesmo se o usuário opta por não parcelar, há juros. O valor vai na fatura como se fosse mais uma das compras do mês. A outra parte recebe o Pix de forma instantânea e com o valor original, sem alterações.
Em nota, apenas o banco Inter, dos três que oferecem o serviço, indicou seu patamar de juros, que pode variar entre 3,49% ao mês até 9,99% ao mês, “a depender de critérios internos de avaliação de crédito para cada cliente.”
A reportagem fez simulações com o envio de R$ 100 nos outros dois bancos que possuem o serviço. No caso do Nubank, a transferência de R$ 100, na modalidade cartão de crédito em uma única parcela, vai custar, na verdade, R$ 106,33 ou terá juros de 6,3% ao mês. Já no Iti, do Itaú, ao transferir R$ 100, também na modalidade cartão de crédito em uma única parcela, o cliente pagaria R$ 104,49 na fatura do cartão ou um juro de 4,49% ao mês.
Quais os riscos da modalidade?
Cintia Senna, educadora financeira e doutoranda em Educação Financeira pela Florida Christian University (FCU), afirma que o consumidor deve sempre se questionar o motivo de utilizar qualquer meio de pagamento. “O Pix geralmente é uma opção para fazer um pagamento com desconto ou enviar dinheiro de maneira ágil. Nessa modalidade, o usuário escolhe o Pix, mas para pagar no cartão de crédito e com juros”, diz.
“Se não tenho o recurso para fazer o que preciso, a primeira ação deve ser avaliar todas as opções à disposição: existe alguma opção para eu arcar com esse custo em que eu não pague juros? Ou se for para comprar algo: é realmente necessário comprar isso agora? Se não preciso, é sinal de alerta em relação ao uso do crédito”, explica Senna.
Ela ressalta que a modalidade é uma espécie de empréstimo pessoal disfarçado. “É difícil para o usuário no momento do uso, racionalizar a decisão e sair do automático. O maior risco é pagar os juros na fatura. Naturalmente, depende dos valores da transação e da situação financeira da pessoa, mas extrapolando para um caso mais grave, um juro a mais na fatura pode fazer com que o consumidor não consiga arcar com o compromisso no fim do mês, caindo no rotativo e na inadimplência”, diz Senna.
Os juros da dívida do rotativo do cartão de crédito e da fatura parcelada passaram a ser limitados a 100% da dívida, mas ainda assim o impacto no bolso do consumidor pode ser significativo, já que a dívida pode dobrar.
O que dizem os bancos?
Mário Newton, diretor de cartões do Itaú, afirma que o banco oferece a modalidade em compras realizadas em estabelecimentos parceiros. “Neste primeiro momento, o recurso está disponível para compras online no site de uma grande varejista, e permite parcelar as aquisições em até 48 vezes, a depender do valor e cliente, e com juros que variam conforme a quantidade de parcelas”, diz. Segundo ele, em breve outros varejistas também poderão contar com o produto. O executivo não revelou a empresa, mas o Itaú oferece um cartão em parceria com o Magazine Luiza.
O Inter afirma que oferece o serviço e defende que ele promove “mais flexibilidade para a gestão financeira de seu clientes”. “A experiência é simples. Durante a jornada de realização do Pix, o cliente seleciona a forma de pagamento podendo escolher entre o saldo disponível em conta ou utilizar o limite de crédito do cartão, selecionando o número de parcelas. Em breve teremos um botão na home do Pix e atalhos específicos para a funcionalidade”, diz o banco em nota.
O Nubank, por sua vez, afirma que seus clientes podem escolher pagar em uma única vez ou em até 12 parcelas, “com taxas justas e transparentes”. “O objetivo é oferecer mais uma alternativa para que as pessoas possam manter o controle sobre seus gastos, concentrando-os em um lugar só”, diz o banco. “No aplicativo do Nubank, usuários poderão simular as parcelas em tempo real e conferir as taxas que serão cobradas antes de confirmar a transação”, finaliza o banco.