A possibilidade de empréstimo para quem faz parte do programa foi regulamentada pelo presidente Jair Bolsonaro na sexta-feira (12)
Cristiane Gercina e Luiz Paulo Souza
São Paulo, SP e Ribeirão Preto, SP
Um grupo de entidades de defesa do consumidor quer o adiamento do empréstimo consignado ligado ao Auxílio Brasil e a programas de transferência de renda do governo federal. Em campanha lançada nesta segunda-feira (15), as organizações pedem ainda estudos e manifestação técnica de especialistas sobre a medida.
A possibilidade de empréstimo para quem faz parte do programa foi regulamentada pelo presidente Jair Bolsonaro na sexta-feira (12), em decreto publicado no Diário Oficial da União. Segundo a lei, os beneficiários do Auxílio Brasil podem comprometer até 40% da renda com o consignado.
O movimento em torno da “Nota em Defesa da Integridade Econômica da População Vulnerável” foi organizado pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, pelo Programa de Apoio ao Endividado da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto e pelo Acredito.
“Solicitamos o adiamento do início da comercialização do crédito para o Auxílio Brasil e outros programas de transferência de renda, para elaboração de estudos e manifestação técnica dos especialistas e da sociedade civil, como necessário para elaboração de toda política pública”, diz trecho da carta.
O documento pode ser assinado por entidades e pessoas físicas, no site www.defesadosvulneraveis.com.
A intenção do grupo é reunir o maior número possível de adesões para definir a melhor estratégia e levar para o Ministério da Cidadania. No entanto, não descartam medidas judiciais.
Taxas de juros estão entre as preocupações Em nota, o Idec diz que as taxas de juros praticadas pelo mercado, que podem chegar a percentuais de 79% a 98% ao ano, estão entre as principais preocupações.
“O beneficiário do Auxílio Brasil que solicitar R$ 2.000 em crédito terminará com uma dívida de R$ 4.000, sendo praticamente metade dela convertida em lucro para os bancos”, diz Julia Catão Dias, advogada do programa de serviços financeiros do instituto.
Para Maria Paula Bertran, professora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto e responsável pelo Programa de Apoio ao Endividado, essa é uma má política pública. De acordo com ela, a responsabilidade pelo crédito está sendo deixada apenas nas mãos dos consumidores vulneráveis, mas o governo e os bancos também deveriam levar em consideração a qualidade de vida dos beneficiários.
Ela ainda alerta de que grandes crises macroeconômicas começam com o superendividamento da população e que essa deve ser uma preocupação que não pode ser ignorada.
RISCO DE ENDIVIDAMENTO
A Abefin (Associação Brasileira de Educadores Financeiros) também tem ressalvas quanto ao consignado.
“Não é que o crédito seja ruim. O problema é comprometer um ganho que já é baixo com endividamento. São famílias que estão com prioridades de sobrevivência e, nesse caso, serão inseridas em um contexto complexo de consumo”, diz Reinaldo Domingos, presidente da associação e da Dsop Educação Financeira.
Em nota, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) afirma que o consignado a programas sociais permite a disposição de recursos para esse público de “forma rápida e mais barata”. A entidade diz ainda que cada instituição financeira pode estabelecer os critérios para a concessão do crédito.
Além disso, afirma que “a procura por uma operação de crédito deve ser avaliada cautelosamente pelos bancos e por parte do beneficiário, a fim de prevenir o superendividamento”. Até agora, dentre os maiores bancos, apenas a Caixa Econômica Federal se manifestou sobre oferecer o empréstimo. Itaú e Bradesco já descartaram e o Banco do Brasil avalia a oferta.
Procurado, o Ministério da Cidadania não se manifestou.
ENTENDA COMO FUNCIONA O CRÉDITO CONSIGNADO
O consignado é um empréstimo descontado diretamente da folha de pagamento, sem que haja nenhum risco de calote aos bancos e às instituições financeiras. Dessa forma, os juros costumam ser mais baixos.
No caso do crédito consignado do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), os juros são definidos pelo conselho da Previdência.
Substituto do Bolsa Família, o Auxílio Brasil paga, mensalmente, R$ 400 a famílias consideradas em vulnerabilidade social. De agosto a dezembro, o programa irá transferir o valor mínimo de R$ 600 a mais de 20 milhões de famílias cadastradas no CadÚnico (Cadastro Único).
Cálculos do Idec apontam que o desconto de 40% sobre os R$ 400 do programa representará R$ 160 por mês. “O beneficiário que receberia R$ 400 terá apenas R$ 240 para comprar comida, remédio, pagar aluguel, água, luz. Assim, o programa perderia totalmente seu propósito”, diz nota.
Fonte: Jornal de Brasília