Por: O Tempo
Salários estagnados, inflação de dois dígitos e uma taxa básica de juros que limita o acesso ao crédito das famílias. O cenário econômico do Brasil oferece desafios a cada mês para fechar o orçamento, mas desafia também quem está de olho no futuro: como educar financeiramente as crianças e adolescentes da maneira mais correta neste momento?
Para especialistas ouvidos pela reportagem de O TEMPO, é preciso dosar os conselhos no momento de ensinar os filhos a administrar o orçamento. Se por um lado a pressão econômica torna essa conversa obrigatória, é necessário entender quais os limites dos menores de idade, sem exigir responsabilidades que não combinam com as crianças e adolescentes.
“Na verdade, o que a gente quer da criança e do adolescente é que eles adquiram o hábito de poupar, que o brasileiro (em sua maioria) não tem. Aprender a poupar com a mesada que ele ganha, seja de qualquer valor, de acordo com a realidade da família. Isso é educar financeiramente, para depois passar a ser investidor”, afirma Sandro Borges, membro da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin).
O economista Vinícius de Castro, professor de mercado de capitais da PUC Minas, vai além. Para ele, os conselhos precisam progredir de acordo com a idade do filho. Para os mais novinhos, mesmo medidas que signifiquem perda de dinheiro para a inflação contribuem para o futuro.
“O cofrinho ainda vale no início, de 0 a 6 anos, pela parte visual. Dos 7 aos 13, já dá para pensar em uma mesada, uma conta de banco nas fintechs, mas sem estressar a criança com isso”, diz.
“No caso dos adolescentes, já é necessário pensar no bônus demográfico: antigamente, a gente tinha uma grande quantidade de pessoas trabalhando para os que já estavam aposentados. Agora, está se invertendo. O Brasil vai se tornar um país velho, antes de se tornar rico. É preciso deixar de maneira clara que vivemos um ambiente competitivo, no qual é difícil trazer dinheiro para casa”, afirma o economista da PUC.
Games servem como ferramenta
Aos 32 anos, o gerente de desenvolvimento de sistemas Rafael Schettino é pai de uma criança de 6. Ele deixou de abrir uma conta para o pequeno em bancos para ensiná-lo, dentro da realidade que ele mais domina, a importância da gestão financeira.
“A primeira maneira que eu ensino é a lidar com o recurso que ele tem dentro do jogo. Dizer: ‘olha, esse mês você tem R$ 30 de crédito’. Dentro do jogo, ele sabe usar. Sabe quanto custa uma casinha, quanto custa uma roupinha, um boneco, um avatar personalizado… Eu achei mais eficiente do que tratar com ele o dinheiro real”, diz o pai.
Apesar dessa estratégia, o gerente de desenvolvimento de sistemas não aboliu totalmente o cofrinho. Segundo ele, todo o dinheiro dado pelos tios e avós vai para o porquinho.
“Ele já entendeu que é preciso uma reserva de emergência. Se um brinquedo quebrar, é de lá que o dinheiro sai. Esse tipo de medida reduziu bastante o comportamento dele de quebrar as coisas. Claro que não tiro todo o dinheiro, mas ele entende que há um custo”, afirma Rafael Schettino.
O educador financeiro Sandro Borges vai na mesma linha. Ele cita o exemplo do neto, de 8. “Em 2019, ele me disse que comprou uma bicicleta de R$ 470. Ele tinha pouco mais de R$ 300, e a mãe só completou. Ele aprendeu que primeiro junta e depois gasta. É um pensamento que boa parte dos brasileiros não tem. Ano passado, comprou um tablet da mesma maneira”, diz.
Fintechs oferecem contas
Alternativas populares entre os adultos por não exigir pagamento das taxas já conhecidas dos bancos tradicionais, as fintechs oferecem serviços para crianças e adolescentes, mediante abertura de conta pelos pais.
Eduardo Cotta, superintendente de conta digital do Inter, conta que a instituição financeira lançou o serviço em 2020 e hoje conta com mais de 1 milhão de correntistas menores de idade. O processo de abertura é 100% digital, a partir de documentos como CPF e RG. Além disso, os jovens clientes têm acesso a outros serviços não financeiros, como cartões de desconto para games, transporte por aplicativo e delivery de comida.
“A conta Kids é o início da vida financeira dos nossos clientes, e também dá a eles acesso à educação financeira e possibilidades de aprenderem a se preparar para o futuro. O Inter permite que os jovens tenham acesso aos investimentos de renda fixa, como o CDB, LCI e LCA, que são opções de maior segurança e oferecem boas taxas de rentabilidade”, diz Cotta.
Para casos de adolescentes mais maduros, o economista Vinicíus de Castro, da PUC Minas, indica investimentos no Tesouro Direito. Há títulos baseados na Selic e no IPCA, com renda fixa, o que garante que não haverá perda de recursos. “É bom ponto de partida, com proteção da inflação. Você está garantido um ganho real. É mais conservador. Num segundo momento, devagarinho, dá para conhecer outros investimentos para incentivar o empreendedorismo. Essa é a visão de colocar o patrimônio em coisas boas, com regularidade de aplicação”, aconselha.
Educadora mirim
A influencer digital Vickye, de 16 anos, é um bom exemplo da educação financeira para adolescentes. O interesse dela nasceu a partir da desorganização econômica dos próprios pais.
“É um tabu dentro das famílias. A infância é o momento essencial para deixar para os filhos ensinamentos que vão ficar para toda a vida. É justamente entre 0 e 11 anos que as crianças formam suas personalidades”, diz a jovem, que tem quase 30 mil seguidores no TikTok, onde fala sobre educação financeira.