Por: Heloisa Vasconcelos / Site: Diário do Nordeste
Convidado do Diálogo Econômico da semana, o presidente da Abefin dá dicas de como adaptar os costumes e ferramentas para ter uma vida financeira mais saudável
Lidar com finanças pessoais não é fácil. Mas, quem quer realizar sonhos de curto, médio e longo prazo e evitar problemas futuros precisa encarar essa jornada para ter uma vida financeira equilibrada.
De acordo com levantamento divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) na última semana, a inadimplência alcançou o maior nível dos últimos 12 anos em fevereiro, atingindo 27% dos consumidores. Ao todo, 76,5% dos brasileiros tem alguma dívida.
O caminho para sair dessa situação envolve, impreterivelmente, a educação financeira. E, para o presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin), Reinaldo Domingos, a atitude de conscientização precisa partir não apenas do provedor.
No Diálogo Econômico desta semana, o educador financeiro destaca a importância de sonhos para conseguir manter as finanças em dia e dá dicas de como deve ser feito o orçamento familiar – incluindo o que se deve ou não cortar.
Confira a entrevista completa
O QUE IMPEDE OS BRASILEIROS DE TER UMA VIDA FINANCEIRA MAIS EQUILIBRADA?
Se você pensar, nenhum de nossos adultos aprenderam a como organizar o dinheiro que ele ganha e o dinheiro que ele gasta. Ele não aprendeu a administrar, em momento nenhum nós tivemos essa disciplina nas grades curriculares dos nossos avós, bisavós, pais. Nós mesmos, adultos, também não tivemos nenhum treinamento.
Trata-se de uma ciência humana, trata-se de comportamentos, é preciso ensinamento. E em todo ensinamento é preciso ter metodologia, ter jeito de fazer. E nossos adultos, de forma geral, nossa população, de forma geral, não teve nenhum tipo de orientação e, muito menos, educação.
Hoje essa disciplina já está nas unidades curriculares, está também nas graduações, nós temos uma graduação, tem pós-graduação, tem mestrado, tem doutorado em educação financeira, mas isso nunca houve no passado. Portanto, nós temos hoje uma população, não só do Brasil, mas do mundo, desequilibradas financeiramente, ou seja, que gasta mais do que recebe. Os fatores são muitos. Nós não estamos falando só do fator de não saber administrar, estamos falando também de fatores como a perda do poder aquisitivo, onde os valores dos custos dos produtos sobem mais do que eu tenho de um outro lado, que são os ganhos. Então, a gente tem aí um desafio pela frente, que é fazer com que os nossos resultados com relação ao que eu ganho e o que eu gasto, sejam de forma educada financeiramente e organizados.
O problema vem já de gerações, não é um problema desta geração. É de outras gerações, por isso há necessidade de também entender que finanças pessoais não é educação financeira. Educação financeira lida com comportamento, com hábitos, atitudes, né? As finanças pessoais cuidam do controle. Planilha, cálculo, matemática, projeções, isso é ferramenta.
Existe toda uma desconfiguração no passado, que isso sempre foi dessa forma, e nós estamos quebrando esse paradigma, esse jeito novo de como lidar com os recursos financeiros, para que possamos realizar nossos propósitos, nossos sonhos e até mesmo as nossas necessidades.
O SENHOR FALOU QUE ESSE É UM PROBLEMA GERACIONAL. COMO A EDUCAÇÃO FINANCEIRA DEVE SER TRATADA NAS ESCOLAS E QUAL A IMPORTÂNCIA DE TRATAR O TEMA DESDE CEDO?
Quando lá em 2008 eu estava construindo as primeiras coleções de educação financeira, didáticas, paradidáticas, a gente tinha um método de educação financeira que chama DSOP: Diagnosticar, Sonhar, Orçar e Poupar. Nós desenvolvemos junto à área pedagógica, junto a essa área de buscar pelo cognitivo das crianças, melhorar a capacidade de elas entenderem a educação financeira, que é uma ciência comportamental.
Nós tínhamos que desenvolver algo lúdico para as crianças com menos de seis anos, pegando todo o infantil. Desenvolvíamos atividades lúdicas mostrando que o dinheiro é um meio, não é um fim.
E quando depois de alfabetizada, a matemática e outras áreas do conhecimento vão ajudar na construção desse modelo de como lidar com esse recurso financeiro, que a criança começa a ver lá com dois, três anos de idade quando ela pega o primeiro dinheiro vai lá compra uma bala, sorvete ou chocolate. Ela passa a ser inserida no mercado como uma consumista, e não como uma poupadora.
Eu em 2008 abri essa missão de levar a educação financeira para as escolas e isso foi promulgado em 2016 para 2017, quando eu participei de uma audiência pública junto com o MEC. Foi quando promulgaram a inserção do tema com transversal nas grades curriculares a partir de 2020.
Hoje é uma realidade, mas ainda muito precoce. Talvez isso leve de dez a vinte anos a mudança do comportamento. Porque o que nós estamos criando agora e começando a se envolver é o investimento nas novas gerações que são as nossas crianças, jovens que vão amanhã ter os seus filhos, ter a sua comunidade, ter a sua sociedade, mas de uma forma educada financeiramente. E esse é o desafio pra gente poder fazer com que nós tenhamos gerações saudáveis, sustentáveis financeiramente.
Hoje nós temos uma fotografia péssima. Nós temos hoje uma inadimplência que soma quase 70 milhões de pessoas que perderam o controle do dinheiro que entra e do dinheiro que sai, que estão negativadas, estão com o nome sujo.
Nós temos uma grande parte da população economicamente ativa, totalmente desequilibradas e, as que não estão endividadas de forma que perderam controle, estão endividadas muito próximo de perder esse controle. Nós temos 110 milhões de uma população economicamente ativa, 100 milhões delas certamente não tem recursos financeiros pra viver mais do que três meses se perder sua renda.
Por quê? Porque elas não aprenderam como fazer com que o dinheiro pudesse dar pra ela sustentabilidade financeira. O que colocamos como ausência pura da educação financeira.
COMO A GENTE PODE HOJE FALAR DE EDUCAÇÃO FINANCEIRA PARA A POPULAÇÃO ADULTA, CONSIDERANDO O MOMENTO QUE VIVEMOS QUE NOSSO DINHEIRO PERDE VALOR A CADA DIA?
Nos últimos pelo menos dez ou quinze anos, depois do Plano Real, houve uma enxurrada de facilidades de crédito para a população. O cartão de crédito passou a ser muito acessível no Norte e Nordeste também, que antes não era.
Isso aconteceu de uma forma bastante acintosa, foi dada uma quantidade de crédito acima da capacidade de pagamento. Ou seja, eu tenho um ganho de R$ 2 mil e um crédito de R$ 10 mil. Ora, se eu tenho um crédito de 10 mil, eu vou usar o meu crédito.
Qual a diferença do dinheiro e do crédito? Qual a diferença do dinheiro e da dívida? Nenhuma. Os dois compram. Então, deram pra população uma moeda muito forte chamado dívida, crédito. A moeda da dívida, do crédito, tem o mesmo peso de compra, o mesmo valor.
Se eu for alguma coisa no shopping, se eu tiver um cartão de crédito, eu passo e vou pagar depois. Pode ser em uma parcela, pode ser em dez, pode ser em quinze. Pouco importa. Agora, se tiver um dinheiro vou lá compro e pago à vista, comprei do mesmo jeito. Então nós temos uma um desafio de mostrar pra população que o poder do crédito precisava vir junto com a educação financeira. Como é que eu educo uma pessoa a não gastar mais do que ela ganha? Como é que eu educo uma pessoa a ter um crédito de 10 mil, mas usar somente 2? Isso chamamos de comportamento, de atitude. Mas isso só vem o tempo.
Vamos falar da nossa população hoje adulta. Nós temos hoje uma situação extremamente delicada. Porque até os bancos começaram a repensar para passar um limite novo de crédito para os seus clientes. Por quê? Porque a inadimplência começou a subir exageradamente, o que leva a gente a uma mudança de posicionamento.
Nossa população hoje tem um crédito que não consegue honrá-lo. É verdade. Por que que ela perdeu isso ao longo do tempo também? Por uma perda de poder aquisitivo. Que que é o poder aquisitivo? É o poder de compra.
Imagine você há cinco anos atrás. O que você tinha naquela nota de 100 reais pra comprar alguma coisa no supermercado assim, quatro anos atrás, hoje você compra no máximo 20% do que você comprava por 100% daquele dinheiro. O aumento das pessoas não passou de 20% nos últimos 4 anos.